terça-feira, janeiro 22, 2008
FABRÍCIO CARPINEJAR... UM DOS MEUS FAVORITOS
Tenho visitado o blog do Fabrício Carpinejar e me surpreende, ainda, a maneira como ele consegue colocar idéias em palavras. Pensamentos cotidianos que ultrapassam o tempo diário.
POUSAR É VOAR COM ROSTO
Walter não é supersticioso.
Mas não arriscou colocar um espelho fora. Assim como não fotografa seu filho enquanto dorme. Ou não deixa o chinelo emborcado. Ou não coloca a bolsa no chão. Pequenos cuidados. Prefere não desafiar as crendices repassadas pelos pais. Pequenos respeitos.
Sem lugar nobre entre os móveis, pregou o espelho na varanda de sua chácara, entre duas janelas. Armou uma mesinha com pedras e compensados e descansou do problema.
Estive o visitando no último final de semana. Curioso é que vários pássaros pulavam das barras de madeira ao espelho. Aproximavam os bicos no reflexo. Admiravam-se. Batiam as asas e voltavam ao mesmo lugar.
Até as aves são narcisistas. Têm o céu à disposição, têm as alturas para esticar o corpo, têm as árvores como trapézios e se ajoelham a um pedaço de vidro. Em manhãs sucessivas, enfrentam o perigoso alarido humano, escapam dos cotovelos da conversa e conferem suas imagens no balcão.
As aves procuram o espelho porque são carentes. Até as aves.
A plenitude não nos completa; redobra a insegurança. Quanto mais amamos, mais a carência aumenta.
Minha mulher estará diante de mim a qualquer hora esperando que a observe. Ela não me testa. Sou seu espelho. Ela me procura para se reencontrar. Reencontrar a si: quem ela foi quando se apaixonou. Todo o dia deseja repetir a primeira vez em que eu a vi e ela se viu em mim.
Não estava linda para uma festa, para uma reunião, para um destino genérico. Estava linda para sua vida. Ela se percebeu desejada como se desejaria no futuro. Eu a desejei como ela já se desejou.
Minha mulher é essa ave que não pousará fácil. Circulará pela casa pedindo meu rosto. Uma exigência que não é chateação. Não é cobrança. Não é desespero. Criar uma modulação quando é natural se acostumar. Uma sutileza que despertará a ânsia do beijo, que trará lembranças e a tensão dos nervos.
Ela se esforça para impor diferenças. Uma sobrancelha desenhada, as unhas feitas, um brinco novo, um vestido recuperado, um sapato amansado de brilho.
Ai se não identifico. São tantas chances por dia para me apaixonar de novo. Tantas chances para devolver aquele olhar que me inaugurou como homem.
POUSAR É VOAR COM ROSTO
Walter não é supersticioso.
Mas não arriscou colocar um espelho fora. Assim como não fotografa seu filho enquanto dorme. Ou não deixa o chinelo emborcado. Ou não coloca a bolsa no chão. Pequenos cuidados. Prefere não desafiar as crendices repassadas pelos pais. Pequenos respeitos.
Sem lugar nobre entre os móveis, pregou o espelho na varanda de sua chácara, entre duas janelas. Armou uma mesinha com pedras e compensados e descansou do problema.
Estive o visitando no último final de semana. Curioso é que vários pássaros pulavam das barras de madeira ao espelho. Aproximavam os bicos no reflexo. Admiravam-se. Batiam as asas e voltavam ao mesmo lugar.
Até as aves são narcisistas. Têm o céu à disposição, têm as alturas para esticar o corpo, têm as árvores como trapézios e se ajoelham a um pedaço de vidro. Em manhãs sucessivas, enfrentam o perigoso alarido humano, escapam dos cotovelos da conversa e conferem suas imagens no balcão.
As aves procuram o espelho porque são carentes. Até as aves.
A plenitude não nos completa; redobra a insegurança. Quanto mais amamos, mais a carência aumenta.
Minha mulher estará diante de mim a qualquer hora esperando que a observe. Ela não me testa. Sou seu espelho. Ela me procura para se reencontrar. Reencontrar a si: quem ela foi quando se apaixonou. Todo o dia deseja repetir a primeira vez em que eu a vi e ela se viu em mim.
Não estava linda para uma festa, para uma reunião, para um destino genérico. Estava linda para sua vida. Ela se percebeu desejada como se desejaria no futuro. Eu a desejei como ela já se desejou.
Minha mulher é essa ave que não pousará fácil. Circulará pela casa pedindo meu rosto. Uma exigência que não é chateação. Não é cobrança. Não é desespero. Criar uma modulação quando é natural se acostumar. Uma sutileza que despertará a ânsia do beijo, que trará lembranças e a tensão dos nervos.
Ela se esforça para impor diferenças. Uma sobrancelha desenhada, as unhas feitas, um brinco novo, um vestido recuperado, um sapato amansado de brilho.
Ai se não identifico. São tantas chances por dia para me apaixonar de novo. Tantas chances para devolver aquele olhar que me inaugurou como homem.
::Escrito por Madame Bovary as 15:07
0 Comentários:
Postar um comentário
::Voltar